Reproduzimos abaixo, a entrevista de Sandra Pina, presidente da AEILIJ, ao Blog da Editora DCL.
Para acessarem o texto original, cliquem aqui.
Por Paula Thomaz,
A premissa é perfeita para aquela que um dia seria escritora: ela
nasceu em uma família que adorava histórias após as refeições, os
mais velhos contavam causos da infância, das crianças e
de tudo o que se podia imaginar. Sua mãe lia livros e revistas em quadrinhos
todas as tardes para ela e suas irmãs. Ela cresceu, virou jornalista,
publicitária e há pouco mais de 10 anos, aventurou-se na escrita de
suas próprias histórias. Essa é Sandra Pina que, passada uma década
de carreira como escritora, eis que ela se torna representante maior
dos escritores e ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil. Na última
eleição da Associação dos Escritores e Ilustradores de Literatura
Infantil e Juvenil, ocorrida no mês de junho, ela foi escolhida a
presidente da AEILIJ.
Nesta entrevista a autora de mais de
25 livros, entre eles,
“Um barco,
um avião, uma bolha de sabão”,
“
E assim
surgiu o Maracanã”, publicados pela DCL, fala sobre sua visão do
mercado editorial, das questões que envolvem a produção de LIJ, os
desafios de sua gestão e que pretende ser “porta-voz de
um grande grupo na defesa da profissionalização do nosso ofício. Daqui a dois anos, quando a gestão acabar, os associados da AEILIJ
poderão dizer se cumprimos ou não o papel que nos foi designado”. Leia a íntegra:
Editora DCL – Sandra, qual o panorama do mercado editorial especificamente falando deLIJ?
Sandra Pina (SP)– Acho que sempre vale lembrar que
o mercado editorial de LIJ no Brasil é bastante peculiar. Ao contrário de
outros países, onde a livraria é um foco importante, por aqui a produção
editorial está mais voltada para a escola. Os grandes compradores dos livros de
LIJ são as escolas e o governo (federal, estadual e municipal). O que nos leva
a uma situação meio “antagônica”, quero dizer, se, por um lado temos
compradores “fieis” e “constantes” (as escolas continuam a usar nossos livros
nos currículos, e o governo, em suas diversas instâncias, continua a lançar
editais para abastecer bibliotecas e programas de leitura, por outro, não há um
investimento em pontos de venda. Qualquer um que chegue numa livraria hoje, encontrará
livros coloridos (os chamados livros brinquedo) expostos e, com um pouco de
sorte, livros de autores brasileiros espalhados pelas prateleiras, mas não verá
nenhum tipo de estratégia de marketing que “convide” o público a conhecer esse
ou aquele livro, por exemplo (é claro, salvo no caso dos best sellers que já
chegam em terras brasileiras na esteira da fama internacional). Em suma, alguns
autores de LIJ podem até ser bem conhecidos dentro do âmbito escolar, mas não
conseguem fazer o “crossover” para um público maior, ou mesmo para o público
que frequenta livraria.
Sei
que existem diversas “questões” envolvendo a exposição de um produto no ponto
de venda e, mais que isso, sei que se questiona o hábito do brasileiro de
frequentar a livraria. Mas isso também me leva a pensar: se o público não vai
até o livro, por que o livro não pode ir até o público? Por que os marketeiros
de plantão não constroem uma estratégia que leve o livro infantil a outros
pontos de vendas, por exemplo? Por que o mercado editorial de LIJ não pode se
expandir até a loja de brinquedos? ou até a banca de jornais? ou ao
supermercado? ou à lojinha de conveniência? Acho que sempre vale a pena lembrar
o “case” daquele chinelinho tão famoso, né?
DCL – O que representa para você estar à frente da AEILIJ atualmente?
SP –A AEILIJ é uma instituição que vem
crescendo lenta e consistentemente ao longo dos seus 14 anos de existência.
Pessoalmente, acredito na força na união e, a meu ver, esse é um dos pontos
fortes da AEILIJ. Autores da palavra e da imagem trabalham de forma muito
isolada e a associação é um espaço onde podem trocar experiências, discutir
angústias profissionais, buscar soluções para questões delicadas de mercado,
etc. Por outro lado, é também um lugar onde os autores podem ir além,
participando de ações solidárias, por exemplo, como as coleções de livros
acessíveis que fizemos em parceria com a Fundação Dorina Nowill ou os encontros
com leitores na ong Meninos de Luz, aqui no Rio de Janeiro. Enfim, para mim,
estar à frente da AEILIJ é uma oportunidade de dar continuidade a esse
trabalho, esse sonho, iniciado por um pequeno grupo de meia dúzia há 14 anos, e
que hoje congrega mais de 400 autores espalhados pelo Brasil todo.
DCL – O que representará para os autores e ilustradores associados a
sua gestão?
SP – Essa é uma boa questão. Acho que só poderá ser
completamente respondida depois que a gestão acabar. Mas eu e a Anielizabeth,
nossa vice-presidente, não temos a pretensão de descobrir a pólvora ou operar
algum milagre. O que queremos é ser representates dos nossos associados nas
questões que forem levantadas; porta-voz de um grande grupo na defesa da
profissionalização do nosso ofício. Daqui a dois anos, quando a gestão acabar,
os associados da AEILIJ poderão dizer se cumprimos ou não o papel que nos foi
designado.
DCL – Dá para incluir anseios seus, de escritora, na sua gestão?
SP – Procuro deixar bem separados esses meus dois lados,
o de escritora (da minha carreira pessoal) e o de presidente da AEILIJ, embora,
eu só esteja ocupando o cargo porque sou uma escritora, e porque tenho uma
carreira pessoal, né? Mas existem os anseios profissionais que não estão
ligados diretamente ao lado criativo e à carreira (edição de livros, vendas,
etc.). Falo de reconhecimento profissional, de sermos (nós, criadores de livros
para crianças de jovens) repeitados com relação às nossas criações de texto e
de imagens, nas questões contratuais, nas prestações de contas de DAs,
nos convites (muitas vezes absurdos) que recebemos, etc. Creio que esses
“anseios” têm sido prioridade em todas as gestões que passaram pela AEILIJ, e
seguramente, continuarão sendo prioridade em nossa gestão.
DCL – Qual a receita do sucesso de um livro de LIJ? Ele precisa ter
finalidade moral e pedagógica necessariamente?
SP – Ops! Acho que todos os autores de LIJ tentam, de
alguma forma, descobrir essa receita! (risos) Mas não acredito na “finalidade
moral e pedagógica”, acredito no encantamento. Um leitor percebe quando uma
história é escrita para “ensinar” alguma coisa, independente da idade que
tenha. Nós adultos achamos que as melhores histórias são aquelas que nos fazem
pensar, que nos levam a questionar, a querer mais, não é mesmo? Acho que isso
vale também para o leitor criança/adolescente. Se existir uma “moral” ou
“pedagogia” na história, que ela seja percebida naturalmente pelo leitor e não
esteja “descaradamente” explícita no texto ou na ilustração. Para ensinar
existem os livros didáticos. A literatura é para provocar sentidos,
questionamentos, ideias, para mexer com o leitor, tirá-lo de sua zona de
conforto, independente de ser através do drama, do riso, da fantasia, da
poesia, etc.
DCL – Há algum tempo a LIJ era relegada à um papel menor no mercado
editorial. Qual o lugar da LIJ no mercado hoje? Ela já alcançou sua maturidade
literária e ganhou seu devido lugar na cultura do brasileiro?
SP – Infelizmente ainda há pessoas (inclusive na
academia) que ainda pensam a LIJ como uma “literatura menor”, mas essa visão
está mudando, mesmo que lentamente. Todos esses programas de incentivo à
leitura espalhados pelo país estão mostrando que, se queremos adultos mais
conscientes e esclarecidos, essa formação passa pela LIJ, uma vez que é com ela
que a criança tem seu primeiro contato com a literatura.
Por
outro lado, os números mostram que a LIJ representa atualmente uma importante
fatia do mercado editorial brasileiro hoje. Diversas editoras começaram a
investir mais seriamente no segmento, por exemplo.
A
LIJ brasileira é (e falo isso sem a menor sombra de dúvida) de altíssima
qualidade literária. É claro que existem livros com mais qualidade que outros,
como em qualquer lugar do mundo ou em qualquer segmento literário, mas, no
geral, nossa LIJ não fica devendo a ninguém. Nossos autores de texto estão cada
vez mais maduros e criando histórias cada vez melhores, e nossos autores de
imagem, em sua maioria, vem alcançando padrão internacional, buscando
qualificação técnica, desenvolvendo pesquisas, etc. Acho que ainda temos uma
boa estrada a trilhar para alcançar nosso devido lugar e respeito na cultura
brasileira, mas creio que estamos no caminho certo.
DCL – Contudo, ainda há desafios para Literatura Infantil e Juvenil? Quais?
SP – Desafios sempre há, e sempre haverá. Além dos
desafios individuais de criação, da angústia da folha em branco (risos), há um
desafio em especial que vem se colocando à frente dos criadores de LIJ nos dias
atuais, que é o tão falado “politicamente correto”. Temos visto nossos textos e
imagens sendo “alterados” em nome do politicamente correto; expressões
idiomáticas, palavras, imagens são questionadas. Então o desafio que se coloca
é o de contornar essa questão. É como se, por escrevermos para crianças e
jovens, nossas histórias tivessem que acontecer em “mundos, cenários e com
personagens ideais”, sem “defeitos”. Porém, se a literatura tem um papel
questionador na sociedade, qual o objetivo de mostrar um mundo perfeito? O que
nos faz pensar, o que mexe com os sentidos do ser humano são as imperfeições,
não é mesmo? São aquelas situações que nos incomodam, né? Creio que mostrar um
“mundo perfeito” na LIJ, seria como criar um bebê numa redoma de vidro, sem
deixá-lo criar anti-corpos naturais para combater as bactérias que irão
atacá-lo ao longo de sua vida.